A experiência da pandemia trouxe à tona um cenário de dependência vivido pelo Brasil há décadas. A indústria farmacêutica brasileira, apesar de produzir mais de 70% dos medicamentos consumidos no país depende de insumos farmacêuticos importados.
Atualmente, impressionantes 85% a 90% dos insumos ativos
são importados de fornecedores diversos, notadamente chineses e indianos, que
respondem pelo fornecimento de 74% dos laboratórios brasileiros. Em 2019, o
déficit na balança comercial do segmento foi de US$ 2,3 bilhões.
“É necessário estabelecer uma
política pública para diminuir brutalmente essa dependência de produtos
absolutamente essenciais para a população brasileira. Com a possibilidade do
ressurgimento de outras situações de risco na área da saúde, precisamos
aprimorar a capacidade produtiva e tecnológica do setor",
afirma o presidente do Conselho da ABIQUIFI- Associação
Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos- José
Correia da Silva.
Desde o início da pandemia da Covid-19, o
mundo - com ênfase o Brasil - se viu na triste situação de
total dependência de insumos farmacêuticos. Um apavorante colapso de produção e
fornecimento da China e da Índia levou a perda de milhares de vidas pela pura e
simples falta de insumos, equipamentos e materiais de uso
médico.
Não se tratou de produtos e equipamentos novos de última
geração. Trata-se de insumos farmacêuticos com mais de 70 anos de descoberta e
uso, equipamentos pouco sofisticados e materiais tão triviais, como máscaras e
aventais.
No Brasil, além dos produtos mais comuns, desde o início
da pandemia, se registra a falta dos insumos farmacêuticos para entubação,
tratamento de distúrbios do sistema nervoso central e, mais recentemente, de oncológicos biofarmacêuticos.
“De pouco adianta uma super indústria farmacêutica sem
acesso a insumos que possam gerar medicamentos. Por que um país que na década
de 1980 produzia mais de 50% de suas necessidades de insumos farmacêuticos
ativos, agora, é tão dependente da importação dos mesmos
que já foram produzidos localmente?”, indaga Correia.
O parque fabril brasileiro, que produzia e exportava -
com cerca de 50 instalações fabris -, vitaminas, hormônios, antibióticos, mesmo
antes dos atuais fornecedores, foi dizimado pela busca desenfreada de margens e
pela inércia de Governos que não entenderam a importância de manter produções
estratégicas de insumos farmacêuticos, facilitando por diversos canais
(tributário, financeiro e, principalmente, regulatório) a avalanche de
importação que quase destruiu o parque fabril de nosso país.
Após o desmonte geral da indústria brasileira nos anos
1990 e início deste século, tímidas, raras e, algumas vezes, equivocadas
políticas de governo foram estabelecidas na tentativa de reduzir esta
dependência. Todas, focalizadas na redução dos preços dos medicamentos,
fracassaram no sentido de reduzir a dependência de insumos.
Se por um lado reforçaram a capacitação técnica e
financeira das empresas produtoras de medicamentos, pouco ou nada fizeram para
a redução da dependência dos insumos, o que rapidamente transformou a cadeia
farmacêutica em um grande importador, tanto de insumos quanto de
medicamentos terminados.
No Brasil, infelizmente, apesar de ainda mergulhados no
intenso combate à falta crônica de vários produtos e sob o risco absolutamente
presente de default dos produtores
estrangeiros dos mesmos, ainda não se vislumbra um projeto de curto, médio e
longo prazos para, efetivamente, dotar o país de capacidade produtiva
estratégica para enfrentar estes problemas de escassez que, exacerbados pela
pandemia, já vêm de muito tempo constrangendo a execução de políticas públicas
de saúde.
“Ou já nos esquecemos da escassez de
Penicilina Benzatina (insumo do medicamento Benzetacil) –
molécula em que o Brasil foi grande produtor, exportador e continua grande
usuário em programas de saúde pública – ou de dezenas de produtos utilizados em
tratamentos contínuos no Brasil? E o fato de que não são produzidos sequer um
grama de nenhum antibiótico de uso humano no país?”, reflete
Correia.
Se o Brasil vem falhando já por três décadas na prevenção
dessa gigantesca dependência, é hora de se debruçar sobre o problema e,
efetivamente, corrigir esta anomalia que pode prostrar a nação pela simples
falta de produzir algo para o qual detém tecnologia, recursos humanos e mercado
adequados.
Para que haja redução da dependência na importação de
Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA’s), é preciso um esforço conjunto, com
participação do Governo e da iniciativa privada e exigirá uma regulação
sanitária que traga isonomia regulatória e fomente o uso
de IFA’s fabricados no Brasil, a fim de fortalecer o setor e diminuir
a dependência brasileira na pesquisa, desenvolvimento e fabricação de novos
insumos.
Publicado às 12 horas
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