As pautas sobre
paridade de gênero, equidade racial e inclusão são amplamente discutidas na
esfera pública, mas o que se vê, na realidade, é uma enorme lacuna entre
conceito e prática. Para que haja mudanças reais, as iniciativas em favor da
igualdade de oportunidades devem partir de todos os setores, perpassando pelos
mais diferentes grupos da sociedade.
Nesse sentido,
os operadores do Direito – profissionais fundamentais na defesa do Estado
Democrático de Direito, da Constituição, dos interesses do cidadão, na garantia
da justiça social e dos direitos humanos – têm a função de construir uma agenda
coletiva que jogue luz para a importância da pluralidade em todos os espaços, e
que sirva de referência à sociedade brasileira. Afinal, sem igualdade, a
democracia se torna seletiva.
No caso do Poder
Judiciário, não é diferente quando falamos em desigualdade entre gênero e raça
nos postos mais altos na magistratura. A despeito de campanhas de
conscientização e dos diversos movimentos sociais que lutam por condições
isonômicas, a realidade é irrefutável: em muitos tribunais espalhados pelo
país, mulheres e não brancos não chegam a nem 10% dos desembargadores.
A participação
parda e negra nos tribunais, por exemplo, segundo a “Pesquisa sobre Negros e Negras no
Poder Judiciário”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada
em setembro de 2021, aponta que apenas 2,4% dos magistrados do Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP) são negros. É a prova cabal do racismo estrutural e
institucional da nossa sociedade. A invisibilidade desses grupos é gritante. O
que se espera do Judiciário não ocorre na própria casa da justiça: igualdade
perante a lei.
Somente com
políticas concretas e urgentes é possível mudar esse panorama a curto prazo.
Por isso, é importante a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) –
entidade com histórico de luta pela democracia e defesa da cidadania – na
transformação desse contexto. Uma mudança possível e imediata, na qual a
advocacia tem o poder de decisão, é a composição de lista sêxtupla para o preenchimento
das vagas ao Quinto Constitucional que respeitem os princípios de equivalência
entre homens e mulheres, de diversidade e de equidade racial para a formação
das listas sêxtuplas.
Com a garantia
de que um quinto das vagas para desembargador será ocupada por advogadas e
advogados, ou pelo Ministério Público, é dever da classe promover os seus
pares, considerando os diversos estratos sociais. Em defesa da
representatividade, a OAB SP está implantando a regra de formação da lista
sêxtupla, obedecendo preceitos para inserção de todos os grupos. Será a
primeira lista na história da entidade, que completa 90 anos em 2022, a
respeitar a pluralidade.
Mas a questão
está além da paridade no Quinto Constitucional; está no pilar da atuação da OAB
SP em proporcionar a isonomia, ou seja, as mesmas oportunidades a todas as
advogadas e advogados nas comissões, colegiados e cargos diretivos da
entidade, por meio de um programa de inclusão que permeará todas as
esferas da instituição, de forma horizontal. É dever da entidade cessar essa
discrepância na ocupação de cargos de direção. Apesar de as mulheres
representarem mais de 50% dos inscritos na OAB SP, é a primeira vez, em 90
anos, que uma mulher é eleita presidente. Outro dado estarrecedor: segundo o
censo realizado pelo Centro de Estudos da Relações de Trabalho e
Desigualdades (CEERT) em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial,
em 2018, somente 1% da advocacia de grandes escritórios é negra, sendo que
56,2% da população brasileira se declara como preta ou parda, de acordo com a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019. Esses
percentuais têm de estar estampados nos quadros de direção da Secional.
As iniciativas da OAB referentes à paridade,
igualdade racial, inclusão de pessoas com deficiência e de pessoas LGBTQIA+ têm
de servir de exemplo aos cidadãos. Elas devem extrapolar o âmbito da
instituição e servir de parâmetro na construção de uma sociedade mais justa.
Em nove décadas da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, a sociedade mudou drasticamente. Da nossa parte, a OAB SP vai espelhar esse novo mundo, mais inclusivo e diverso.
*Patricia Vanzolini é presidente da OAB SP.
Publicado às 7h25
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